É admissível, assegurado o contraditório, prova emprestada de processo do qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será trasladada. A grande valia da prova emprestada reside na economia processual que proporciona, tendo em vista que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo. Igualmente, a economia processual decorrente da utilização da prova emprestada importa em incremento de eficiência, na medida em que garante a obtenção do mesmo resultado útil, em menor período de tempo, em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo, inserida na CF pela EC 45/2004. Assim, é recomendável que a prova emprestada seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório. Porém, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade sem justificativa razoável para isso. Assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, o empréstimo será válido. EREsp 617.428-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2014.
Não pode ser homologada sentença estrangeira que decrete divórcio de brasileira que, apesar de residir no Brasil em local conhecido, tenha sido citada na ação que tramitou no exterior apenas mediante publicação de edital em jornal estrangeiro, sem que tenha havido a expedição de carta rogatória para chamá-la a integrar o processo. Isso porque, nessa situação, fica desatendido requisito elementar para homologação da sentença estrangeira, qual seja, a prova da regular citação ou verificação da revelia. Com efeito, a jurisprudência do STJ dispõe ser “Inviável a homologação de sentença estrangeira quando não comprovada a citação válida da parte requerida, seja no território do país prolator da decisão homologanda, seja no Brasil, mediante carta rogatória” (SEC 980-FR, Corte Especial, DJ 16/10/2006). Precedentes citados: SEC 1.483-LU, Corte Especial, DJe 29/4/2010; e SEC 2.493-DE, Corte Especial, DJe 25/6/2009. SEC 10.154-EX, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 1º/7/2014.
No âmbito de ação disciplinar de servidor público federal, o prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal começa a fluir na data em que a irregularidade praticada pelo servidor tornou-se conhecida por alguma autoridade do serviço público, e não, necessariamente, pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar. Isso porque, de acordo com o art. 142, § 1º, da Lei 8.112/1990, o prazo prescricional da pretensão punitiva começa a correr da data em que a Administração toma conhecimento do fato imputado ao servidor. Ressalte-se que não se desconhece a existência de precedentes desta Corte no sentido de que o termo inicial da prescrição seria a data do conhecimento do fato pela autoridade competente para instaurar o PAD. No entanto, não seria essa a melhor exegese, uma vez que geraria insegurança jurídica para o servidor público, considerando, ademais, que o § 1º, supra, não é peremptório a respeito. Pressupõe, tão só, a data em que o fato se tornou conhecido. Assim, é patente que o conhecimento pela chefia imediata do servidor é suficiente para determinar o termo inicial da prescrição, levando-se em conta, ainda, o art. 143 da mesma lei, que dispõe que “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”. Precedentes citados do STJ: MS 7.885-DF, Terceira Seção, DJ 17/10/2005; e MS 11.974-DF, Terceira Seção, DJe 6/8/2007. Precedente citado do STF: RMS 24.737-DF, Primeira Turma, DJ 1º/6/2004. MS 20.162-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/2/2014.
O Ministério das Relações Exteriores não pode sonegar o nome de quem recebe passaporte diplomático emitido na forma do parágrafo 3º do art. 6º do Anexo do Decreto 5.978/2006. O nome de quem recebe um passaporte diplomático emitido por interesse público não pode ficar escondido do público. O interesse público pertence à esfera pública, e o que se faz em seu nome está sujeito ao controle social, não podendo o ato discricionário de emissão daquele documento ficar restrito ao domínio do círculo do poder. A noção de interesse público não pode ser linearmente confundida com "razões de Estado" e, no caso, é incompatível com o segredo da informação. Noutra moldura, até é possível que o interesse público justifique o sigilo, não aqui. MS 16.179-DF, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 9/4/2014.
A discussão quanto à aplicação de juros e correção monetária nos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário. Cabe ressalvar que isso não retira a possibilidade de a instituição bancária se contrapor, nos próprios autos, à pretensão. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.136.119-SP, Segunda Turma, DJe 30/9/2010; e AgRg no Ag 522.427-SP, Terceira Turma, DJe 2/10/2009. REsp 1.360.212-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/6/2013.
Há preclusão lógica (art. 503 do CPC) em relação à faculdade de requerer o arbitramento dos honorários sucumbenciais relativos à execução na hipótese em que a parte exequente, mesmo diante de despacho citatório que desconsidera o pedido de fixação da verba feito na petição inicial, limita-se a peticionar a retenção do valor correspondente aos honorários contratuais, voltando a reiterar o pleito de fixação de honorários sucumbenciais apenas após o pagamento da execução e o consequente arquivamento do feito. Inicialmente, cumpre destacar que o STJ tem entendimento firme no sentido de que inexiste preclusão para o arbitramento de verba honorária, no curso da execução, ainda que sobre ela tenha sido silente a inicial do processo executivo e já tenha ocorrido o pagamento do ofício requisitório. Todavia, a hipótese em foco é diversa. Após ter sido cumprido o requisitório de pagamento expedido nos autos e ocorrido o arquivamento do feito, com baixa na distribuição, a parte exequente reitera pedido formulado na inicial da execução, para que sejam arbitrados honorários advocatícios sucumbenciais. Ocorre que o despacho inicial determinou a citação do órgão executado, não arbitrando a verba honorária. Em seguida, foram interpostos embargos à execução, os quais foram definitivamente julgados. Posteriormente, a parte exequente peticionou nos autos, postulando a retenção dos honorários contratuais no requisitório de pagamento a ser expedido, nada mencionando acerca do arbitramento de honorários sucumbenciais. De acordo com essa moldura fática, a parte exequente deveria ter se insurgido, por meio da via processual adequada, contra a ausência de fixação dos honorários sucumbenciais. Ao não agir dessa forma, consolidou-se o fato de não incidência dos honorários sucumbenciais, configurando-se, dessa forma, o instituto da preclusão, pelo qual não mais cabe discutir dentro do processo situação jurídica já consolidada. Ademais, ainda que não se trate propriamente de ação autônoma, por compreensão extensiva, incide a Súmula 453 do STJ: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria.” REsp 1.252.412-RN, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 6/11/2013.
No que diz respeito à aferição do prejuízo experimentado pelas empresas do setor sucroalcooleiro em razão do tabelamento de preços estabelecido pelo Governo Federal por intermédio da Lei 4.870/1965, definiu-se que: a) cabe à Administração interveniente no domínio econômico arcar com os prejuízos efetivamente suportados pelas usinas, uma vez que não foram considerados os valores apurados pela Fundação Getúlio Vargas - FGV para o custo da cana-de-açúcar e seus derivados, consoante prevê os arts. 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/1965; b) tratando-se de hipótese de responsabilidade civil objetiva do Estado, necessária a demonstração da ação governamental, nexo de causalidade e dano; c) não é admissível a utilização do simples cálculo da diferença entre o preço praticado pelas empresas e os valores estipulados pelo IAA/FGV, como único parâmetro de definição do quantum debeatur; d) o suposto prejuízo sofrido pela empresa possui natureza jurídica dupla: danos emergentes (dano positivo) e lucros cessantes (dano negativo), que exigem efetiva comprovação; e) nos casos em que a ação de conhecimento é julgada procedente, o quantum da indenização pode ser discutido em liquidação da sentença por arbitramento, em conformidade com o art. 475-C do CPC, podendo, inclusive, chegar a dano em valor zero; f) simples critério jurídico (descumprimento da Lei 4.870/1965) não pode servir como único parâmetro para definição do quantum debeatur , limitando-se a reconhecer o an debeatur; e g) só há pertinência lógica-jurídica em se questionar a fixação de preços no setor sucroalcooleiro, por descumprimento do critério legal previsto no art. 10 da Lei 4.870/1965, durante o período de eficácia dessa norma, ou seja, até o advento da Lei 8.178/1991 (4/3/1991). De fato, a União tem, em princípio, responsabilidade civil objetiva por prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo Instituto do Açúcar e Álcool (IAA) para o setor sucroalcooleiro em descompasso com levantamento de custos de produção apurados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e, dessa forma, em desacordo com os critérios previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/1965, em razão da aplicação da teoria do risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º, da CF. Todavia, a adoção da responsabilidade objetiva do Estado não dispensa a prova dos elementos configuradores da imputação, quais sejam: o fato ou a ação, o dano dele decorrente e o nexo de causalidade. Nessa conjuntura, há de se ressaltar que existem precedentes do STJ sustentando o entendimento de que, diante do reconhecimento, por perícia judicial, de que os valores praticados pelas usinas, em obediência à determinação governamental, seriam inferiores aos preços calculados com base nos custos de produção levantados pela FGV, bastaria o simples cálculo aritmético dessas diferenças, multiplicadas pelo período da intervenção estatal no setor – respeitada a prescrição –, para fim de liquidação do quantum debeatur (REsp 783.192-DF, Primeira Turma, DJ 3/12/2007; REsp 1.110.005-DF, Primeira Turma, DJe 5/10/2010; REsp 1.066.831-DF, Segunda Turma, DJe 23/11/2011; e REsp 1.186.685-DF, Segunda Turma, DJe 24/5/2011). Não se pode, todavia, impor ao Estado o dever de indenizar sem que haja efetiva comprovação do dano supostamente causado, uma vez que o dano representa elemento fundamental para a apuração da suposta ilicitude do ato estatal. Além disso, o suposto prejuízo sofrido pelas usinas possui natureza jurídica dupla, isto é, de danos emergentes (dano positivo) e de lucros cessantes (dano negativo), que exigem efetiva comprovação, seja de redução patrimonial, seja de supressão de ganhos; não se admitindo uma indenização por danos emergentes ou lucros cessantes hipotéticos que não tenham suporte na realidade fática efetivamente provada, alicerçada apenas em descumprimento de critério legal. A título exemplificativo, digamos que a FGV tenha apurado, para determinada região brasileira, uma estimativa de custo de produção da tonelada de cana-de-açúcar no valor de R$ 100,00 e, no mesmo período, o governo federal, por meio do IAA, tenha tabelado a tonelada da cana em R$ 90,00 para comercialização. Nesse caso, haveria, em tese, uma perda financeira de R$ 10,00 por tonelada, que supostamente ocasionaria prejuízo, sem falar na margem de lucro, pressuposto de qualquer atividade capitalista, que deixaria de ser contabilizada. Contudo, deve-se perguntar: esse cenário é o mesmo durante todo o período em que o governo desconsiderou o preço real da tonelada da cana? É óbvio que não. Isso porque, no período, os preços sofrem oscilações e, além disso, também existem, por certo, oscilações no custo da produtividade – em razão dos custos dos insumos que também são variáveis no tempo e no espaço –, que somente são passíveis de verificação pelos registros nos balanços patrimoniais. Ademais, as perícias contábeis podem, em algumas situações, chegar à conclusão de que determinadas usinas tiveram, nesse mesmo período, grandes lucros, com significativo incremento patrimonial, apesar de terem se submetido à intervenção estatal contrária aos ditames da Lei 4.870/1965; haja vista, inclusive, que as empresas mais modernas, com equipamentos mais arrojados têm produtividade bem acima daquelas que não se modernizaram. Nesse contexto, a adoção do entendimento segundo o qual a simples apresentação, pelo credor, de cálculo aritmético das diferenças existentes entre os preços praticados pelas usinas, em obediência à determinação do IAA, e os valores calculados com base nos custos de produção levantados pela FGV é suficiente para o fim de liquidação do quantum debeatur – dispensando-se, portanto, a comprovação pericial do prejuízo –, levaria ao absurdo de se afirmar ocorrer dano por decorrência de um simples descumprimento de critério jurídico, o que poderia não corresponder à realidade fática. Diante do exposto, deve-se ressaltar que a jurisprudência do STJ reconhece que “o enunciado do art. 459, paragrafo único, do CPC deve ser lido em consonância com o sistema que contempla o princípio do livre convencimento (art. 131 do CPC), de sorte que, não estando o juiz convencido da procedência da extensão do pedido certo formulado pelo autor, pode reconhecer-lhe o direito, remetendo as partes para a liquidação” (REsp 819.568-SP, Terceira Turma, DJe 18/6/2010). Ademais, advirta-se, não se trata de provar fatos novos (dai não ser a liquidação por artigos); o cerne da discussão são os elementos passados, inseridos na contabilidade. Há, inclusive, que admitem a possibilidade de inexistência de apuração de dano em liquidação de sentença condenatória: dano em valor "zero" (REsp 1.280.949-SP, Terceira Turma, DJe 3/10/2012; e REsp 1.170.338-RS, Primeira Turma, DJe 13/4/2010). De mais a mais, há teses distintas em relação ao termo final da intervenção governamental no setor sucroalcooleiro (isto é, da limitação de eficácia da Lei 4.870/1965). Nesse ponto, pode-se enumerá-las, com destaque para os seus respectivos marcos temporais: 1) até 28/2/1986, quando foi estabelecido o primeiro controle de preços para a economia brasileira, pelo Decreto-lei 2.288/1986 (Plano Cruzado) – entendimento do Ministro Herman Benjamin no REsp 771.787-DF –; 2) até 7/5/1990, quando foi extinto o IAA pelo Decreto 99.240 e, com isso, desapareceu o poder de controle preconizado no art. 10 da Lei 4.870/1965 – entendimento do Ministro Castro Meira no REsp 771.787-DF –; 3) até 4/3/1991, quando a Lei 8.178/1991 autorizou o Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento a regular os preços de todos os setores da economia nacional – inclusive do setor sucroalcooleiro –, sem a necessidade de submissão a qualquer critério de levantamento de custos, promovida por terceira entidade, seja privada ou particular; revogando tacitamente, portanto, o art. 10 da Lei 4.870/1965; e 4) até 1º/5/1998, quando a Portaria 294, de 13/12/1996, editada pelo Ministro da Fazenda, sujeitou a cana-de-açúcar, e seus derivados, ao regime de preços liberados. Nessa contextura, em análise de todo o arcabouço jurídico sobre o tema, em especial, à luz do argumento referente ao critério de fixação de preços em descumprimento do art. 10 da Lei 4.870/1965, deve prevalecer a terceira tese, no sentido de que o advento da Lei 8.178/1991 efetivamente significou ruptura à antiga sistemática de preços regulada pelo IAA, consoante determinado pela Lei 4.870/1965, ou seja, até 4/3/1991. Realmente, esse marco temporal não deixa dúvida, porque cai por terra o poder regulamentador sobre preços de qualquer outra autoridade senão o Ministro da Fazenda. Tanto é assim, que a partir da Lei 8.178/1991 passou o Ministério competente a regular diretamente o setor, sem a necessidade de submissão a qualquer critério de levantamento de custos, promovida por terceira entidade, seja privada ou particular. Ora, se a partir da referida lei a atuação do governo federal gerou dano ao setor sucroalcooleiro, eventual demanda judicial não pode, por decorrência lógica, fundar-se em disposição da Lei 4.870/1965, e sim nos novos atos ministeriais. Desse modo, só há pertinência lógica-jurídica em se questionar a fixação de preços no setor sucroalcooleiro, por descumprimento do critério legal previsto no art. 10 da Lei 4.870/1965, durante o período de eficácia dessa norma, isto é, até o advento da Lei 8.178/1991 (em 4/3/1991). REsp 1.347.136-DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 11/12/2013.
Os limites estabelecidos pelas Leis 9.032/1995 e 9.129/1995 são aplicáveis à compensação de indébito tributário, ainda que este decorra da declaração de inconstitucionalidade da contribuição social pelo STF. Isso porque a Primeira Seção do STJ consolidou o entendimento de que, “enquanto não declaradas inconstitucionais as Leis 9.032/1995 e 9.129/1995, em sede de controle difuso ou concentrado, sua observância é inafastável pelo Poder Judiciário, uma vez que a norma jurídica, enquanto não regularmente expurgada do ordenamento, nele permanece válida, razão pela qual a compensação do indébito tributário, ainda que decorrente da declaração de inconstitucionalidade da exação, submete-se às limitações erigidas pelos diplomas legais que regem a compensação tributária” (REsp 796.064-RJ, Primeira Seção, DJe 10/11/2008). Precedentes citados: EREsp 905.288-SP, Primeira Seção, DJe 6/11/2009; e EREsp 860.370-SP, Primeira Seção, DJe 6/11/2009. EREsp 872.559-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 9/4/2014.
Constitui bem de família, insuscetível de penhora, o único imóvel residencial do devedor em que resida seu familiar, ainda que o proprietário nele não habite. De fato, deve ser dada a maior amplitude possível à proteção consignada na lei que dispõe sobre o bem de família (Lei 8.009/1990), que decorre do direito constitucional à moradia estabelecido no caput do art. 6º da CF, para concluir que a ocupação do imóvel por qualquer integrante da entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica do bem de família. Antes, porém, isso reafirma esta condição. Impõe-se lembrar, a propósito, o preceito contido no art. 226, caput, da CF – segundo o qual a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado –, de modo a indicar que aos dispositivos infraconstitucionais pertinentes se confira interpretação que se harmonize com o comando constitucional, a fim de assegurar efetividade à proteção a todas as entidades familiares em igualdade de condições. Dessa forma, tem-se que a Lei 8.009/1990 protege, em verdade, o único imóvel residencial de penhora. Se esse imóvel encontra-se cedido a familiares, filhos, enteados ou netos, que nele residem, ainda continua sendo bem de família. A circunstância de o devedor não residir no imóvel não constitui óbice ao reconhecimento do favor legal. Observe que o art. 5º da Lei 8.009/1990 considera não só a utilização pelo casal, geralmente proprietário do imóvel residencial, mas pela entidade familiar. Basta uma pessoa da família do devedor residir para obstar a constrição judicial. Ressalte-se que o STJ reconhece como impenhorável o imóvel residencial cuja propriedade seja de pessoas sozinhas, nos termos da Súmula 364, que dispõe: "O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas". Além do mais, é oportuno registrar que essa orientação coaduna-se com a adotada pela Segunda Seção do STJ há longa data, que reconhece como bem de família, inclusive, o único imóvel residencial do devedor oferecido à locação, de modo a garantir a subsistência da entidade familiar. EREsp 1.216.187-SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/5/2014.
O foro do domicílio do réu é competente para processar e julgar ação declaratória de nulidade, por razões formais, de escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios de imóvel, ainda que esse seja diferente do da situação do imóvel. Inicialmente, ressalte-se que o art. 95 do CPC – que versa sobre ações fundadas em direito real sobre imóveis – traz um critério territorial de fixação de competência que apresenta características híbridas, uma vez que, em regra, tem viés relativo e, nas hipóteses expressamente delineadas no referido dispositivo, possui viés absoluto. Explica-se: se o critério adotado fosse unicamente o territorial, a competência, nas hipóteses do art. 95 do CPC, seria relativa e, por conseguinte, admitiria derrogação, por vontade das partes ou prorrogação, nos termos dos arts. 111 e 114 do CPC, além de poder ser modificada em razão da conexão ou da continência. Entretanto, quando o legislador, na segunda parte do dispositivo legal, consigna que “pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão ou demarcação de terras e nunciação de obra nova”, ele acabou por estabelecer outro critério de fixação de competência para as ações que versem sobre determinados direitos reais, os quais foram especificamente mencionados. Conquanto exista divergência doutrinária a respeito da natureza do critério adotado pelo legislador nessa última hipótese – material ou funcional –, independentemente da posição que se adote, não se admite a modificação, a derrogação ou a prorrogação da competência, pois ela é absoluta em qualquer caso. Portanto, na hipótese do litígio versar sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, a ação correspondente deverá necessariamente ser proposta na comarca em que esteja situado o bem imóvel, porque a competência é absoluta. De modo diverso, se a ação se referir a um direito real sobre imóvel, ela poderá ser ajuizada pelo autor no foro do domicílio do réu ou no foro eleito pelas partes, se não disser respeito a nenhuma daquelas hipóteses trazidas na segunda parte do art. 95 do CPC, haja vista se tratar de competência relativa. Na hipótese em foco, o litígio analisado não versa sobre nenhum direito real imobiliário, mas sobre eventual nulidade da escritura de cessão de posse de imóvel, por razões formais. Não há discussão, portanto, que envolva a posse ou a propriedade do imóvel em questão. Consequentemente, não há competência absoluta do foro da situação do bem para o julgamento da demanda em análise, de modo que é inaplicável o art. 95 do CPC, sendo competente o foro do domicílio do réu para o processamento do presente feito. CC 111.572-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 9/4/2014.
Pelos danos ocorridos durante o estágio obrigatório curricular, a Justiça Comum Estadual – e não a Justiça do Trabalho – é competente para processar e julgar ação de reparação de danos materiais e morais promovida por aluno universitário contra estabelecimento de ensino superior e instituição hospitalar autorizada a ministrar o estágio. A ação proposta não tem causa de pedir e pedidos fundados em possível relação de trabalho entre as partes, porquanto o vínculo que os uniu era aquele regido pela Lei 11.788/2008, que dispõe sobre o estágio de estudantes. Nesse passo, ressalte-se que o indigitado diploma legal, ao alterar a redação do art. 428 da CLT e revogar a Lei 9.394/1996, dispôs que o estágio de estudantes, atendidos os requisitos que especifica, não cria vínculo empregatício de nenhuma natureza. Assinale-se, ainda, que a relação de estágio pode disfarçar verdadeira relação de trabalho quando, então, é possível aventar-se vínculo trabalhista e não apenas de estágio. No caso em análise, não se vislumbra o desvirtuamento do contrato de estágio supervisionado, de forma a caracterizar vínculo de ordem laboral. Desse modo, evidencia-se a existência de relação civil de prestação de serviços de disponibilização de vaga de estágio acadêmico exigido por instituição de ensino como requisito para colação de grau, razão pela qual não há se falar em relação de trabalho entre as partes. CC 131.195-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/2/2014.
Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos – seja em caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da citação (art. 13, § 2º, da Lei 5.478/1968), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas. Com efeito, os alimentos pagos presumem-se consumidos, motivo pelo qual não podem ser restituídos, tratando-se de princípio de observância obrigatória e que deve orientar e preceder a análise dos efeitos das sentenças proferidas nas ações de revisão de verbas alimentares. Ademais, convém apontar que o ajuizamento de ação pleiteando exoneração/revisão de alimentos não exime o devedor de continuar a prestá-los até o trânsito em julgado da decisão que modifica o valor da prestação alimentar ou exonerá-lo do encargo alimentar (art. 13, § 3º, da Lei 5.478/1968). Da sentença revisional/exoneratória caberá apelação com efeito suspensivo e, ainda que a referida decisão seja confirmada em segundo grau, não haverá liberação da prestação alimentar se for interposto recurso de natureza extraordinária. Durante todo o período de tramitação da ação revisional/exoneratória, salvo se concedida antecipação de tutela suspendendo o pagamento, o devedor deverá adimplir a obrigação, sob pena de prisão (art. 733 do CPC). Desse modo, pretendeu a lei conferir ao alimentado o benefício da dúvida, dando-lhe a segurança de que, enquanto não assentada, definitivamente, a impossibilidade do cumprimento da obrigação alimentar nos termos anteriormente firmados, as alegadas necessidades do credor não deixarão de ser providas. Nesse passo, transitada em julgado a sentença revisional/exoneratória, se, por qualquer motivo, não tiverem sido pagos os alimentos, a exoneração ou a redução terá efeito retroativo à citação, por força do disposto no art. 13, § 2º, da Lei 5.478/1968, não sendo cabível a execução de verba já afirmada indevida por decisão transitada em julgado. Esse “qualquer motivo” pode ser imputável ao credor, que demorou ajuizar ou dar andamento à ação de execução; ao devedor que, mesmo sujeito à possibilidade de prisão, deixou de pagar; à demora da tramitação da execução, devido ao congestionamento do Poder Judiciário; ou à concessão de liminar ou antecipação de tutela liberando provisoriamente o alimentante. Assinale-se que não foi feita ressalva à determinação expressa do § 2º do art. 13 da citada lei, segundo o qual “em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação”. Isso porque a alteração do binômio possibilidade-necessidade não se dá na data da sentença ou do respectivo trânsito em julgado. Esse alegado desequilíbrio é a causa de pedir da ação revisional e por esse motivo a lei dispõe que o valor fixado na sentença retroagirá à data da citação. A exceção poderá dar-se caso a revisional seja julgada procedente em razão de fato superveniente ao ajuizamento da ação, reconhecido com base no art. 462 do CPC, circunstância que deverá ser levada em consideração para o efeito de definição do termo inicial dos efeitos da sentença. Nessa linha intelectiva, especialmente em atenção ao princípio da irrepetibilidade, em caso de redução da pensão alimentícia, não poderá haver compensação do excesso pago com prestações vincendas. Essa solução afasta o enriquecimento sem causa do credor dos alimentos, porque o entendimento contrário – sentença de redução ou exoneração dos alimentos produzindo efeitos somente após o seu trânsito em julgado – ensejaria a inusitada consequência de submeter o alimentante à execução das parcelas pretéritas não adimplidas (por qualquer razão), mesmo estando ele amparado por decisão judicial transitada em julgado que diminuiu ou até mesmo eliminou o encargo, desfecho que configuraria manifesta negativa de vigência aos arts. 15 da Lei 5.478/1968 e 1.699 do CC/2002 (correspondente ao art. 401 do CC/1916). Por fim, destaca-se que a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de ser possível a fixação de alimentos provisórios em ação de revisão, desde que circunstâncias posteriores demonstrem a alteração do binômio necessidade/possibilidade, hipótese em que o novo valor estabelecido ou a extinção da obrigação devem retroagir à data da citação (RHC 58.090-RS, Primeira Turma, DJ 10.10.1980; e RE 86.064/MG, Primeira Turma, DJ 25.5.1979). Precedentes citados: REsp 172.526-RS, Quarta Turma, DJ 15/3/1999; e REsp 967.168-SP, Terceira Turma, DJe 28/5/2008. EREsp 1.181.119-RJ, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 27/11/2013.
Para configuração do delito de “redução a condição análoga à de escravo” (art. 149 do CP) – de competência da Justiça Federal – é desnecessária a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador. De fato, a restrição à liberdade de locomoção do trabalhador é uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única. Conforme se infere da redação do art. 149 do CP, o tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições de trabalho degradantes, subumanas. Precedentes citados do STJ: AgRg no CC 105.026-MT, Terceira Seção, DJe 17/2/2011; CC 113.428-MG, Terceira Seção, DJe 1º/2/2011. Precedente citado do STF: Inq 3.412, Tribunal Pleno, DJe 12/11/2012. CC 127.937-GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/5/2014.
Compete à Justiça Comum Estadual, e não à Eleitoral, processar e julgar injúria cometida no âmbito doméstico e desvinculada, direta ou indiretamente, de propaganda eleitoral, embora motivada por divergência política às vésperas da eleição. De fato, o crime previsto no art. 326 do Código Eleitoral possui nítida simetria com o crime de injúria previsto no art. 140 do CP, mas com este não se confunde, distinguindo-se, sobretudo, pelo acréscimo de elementares objetivas à figura típica, que acabou por resultar em relevante restrição à sua aplicação, refletindo, também por isso, na maior especialização do objeto jurídico tutelado. A propósito, assim dispõem os referidos dispositivos legais: “Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:[...]” e “Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro:[...]”. Como se vê, a injúria eleitoral somente se perfectibiliza quando a ofensa ao decoro ou à dignidade ocorrer na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda. Ou seja, a caracterização do crime de injúria previsto na legislação eleitoral exige, como elementar do tipo, que a ofensa seja perpetrada na propaganda eleitoral ou vise fins de propaganda (TSE, HC 187.635-MG, DJe de 16/2/2011), sob pena de incorrer-se no crime de injúria comum. Por fim, cabe ressaltar que, na injúria comum, tutela-se a honra subjetiva, sob o viés da dignidade ou decoro individual e, na injúria eleitoral, protegem-se esses atributos ante o interesse social que se extrai do direito subjetivo dos eleitores à lisura da competição eleitoral ou do “inafastável aprimoramento do Estado Democrático de Direito e o direito dos cidadãos de serem informados sobre os perfis dos candidatos, atendendo-se à política da transparência” (STF, Inq 1.884-RS, Tribunal Pleno, DJ de 27/8/2004). CC 134.005-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/6/2014.
Na hipótese em que drogas enviadas via postal do exterior tenham sido apreendidas na alfândega, competirá ao juízo federal do local da apreensão da substância processar e julgar o crime de tráfico de drogas, ainda que a correspondência seja endereçada a pessoa não identificada residente em outra localidade. Isso porque a conduta prevista no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006 constitui delito formal, multinuclear, que, para a consumação, basta a execução de qualquer das condutas previstas no dispositivo legal, dentre elas o verbo “importar”, que carrega a seguinte definição: fazer vir de outro país, estado ou município; trazer para dentro. Logo, ainda que desconhecido o autor, despiciendo é o seu reconhecimento, podendo-se afirmar que o delito se consumou no instante em que tocou o território nacional, entrada essa consubstanciada na apreensão da droga. Ressalte-se, por oportuno, que é firme o entendimento da Terceira Seção do STJ no sentido de ser desnecessário, para que ocorra a consumação da prática delituosa, a correspondência chegar ao destinatário final, por configurar mero exaurimento da conduta. Dessa forma, em não havendo dúvidas acerca do lugar da consumação do delito, da leitura do caput do art. 70 do CPP, torna-se óbvia a definição da competência para o processamento e julgamento do feito, uma vez que é irrelevante o fato da droga estar endereçada a destinatário em outra localidade. CC 132.897-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/5/2014.
O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública cujo pedido seja a condenação por improbidade administrativa de agente público que tenha cobrado taxa por valor superior ao custo do serviço prestado, ainda que a causa de pedir envolva questões tributárias. De acordo com o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985, não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos. Essa restrição, entretanto, está relacionada ao pedido, o qual tem aptidão para formar coisa julgada, e não à causa de pedir. Na hipótese em foco, a análise da questão tributária é indispensável para que se constate eventual ato de improbidade, por ofensa ao princípio da legalidade, configurando causa de pedir em relação à pretensão condenatória, estando, portanto, fora do alcance da vedação prevista no referido dispositivo. REsp 1.387.960-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 22/5/2014.
A União – e não só Estados, Distrito Federal e Municípios – tem legitimidade passiva em ação de indenização por erro médico ocorrido em hospital da rede privada durante atendimento custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A saúde pública não só é um direito fundamental do homem como também é um dever do Poder Público, expressão que abarca, em conjunto, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, nos termos dos arts. 2º e 4º da Lei 8.080/1990, que trata do SUS. O funcionamento do SUS é de responsabilidade solidária de todos os referidos entes, cabendo a qualquer um deles a legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demandas que objetivem garantir acesso à medicação ou tratamento médico adequado a pessoas desprovidas de recursos financeiros, consoante se extrai de farta jurisprudência do STJ. Assim, a União, bem como os demais entes federativos, possuem legitimidade para figurar no polo passivo de quaisquer demandas que envolvam o SUS, inclusive as relacionadas a indenizatória por erro médico ocorrido em hospitais privados conveniados. REsp 1.388.822-RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 16/6/2014.
Não tem legitimidade para pleitear a restituição do indébito a pessoa jurídica que retém na fonte IRPJ a maior relativo às importâncias pagas a outra pessoa jurídica pela prestação de serviços caracterizadamente de natureza profissional. Segundo os arts. 121 e 165 do CTN, a repetição de indébito tributário pode ser postulada pelo sujeito passivo que pagou, ou seja, que arcou efetivamente com ônus financeiro da exação. Em face disso, pode-se concluir que a empresa que é a fonte pagadora da renda não tem legitimidade ativa para postular a repetição de indébito de IR que foi retido quando do pagamento para a empresa contribuinte. Isso porque a obrigação legal imposta pelo art. 45, parágrafo único, do CTN é a de proceder à retenção e ao repasse ao Fisco do IR devido pelo contribuinte. Não há propriamente pagamento por parte da responsável tributária, uma vez que o ônus econômico da exação é assumido direta e exclusivamente pelo contribuinte que realizou o fato gerador correspondente, cabendo a este, tão-somente, o direito à restituição. Precedentes citados: REsp 596.275-RJ, Primeira Turma, DJ 9/10/2006; e AgREsp 895.824-RS, Segunda Turma, DJe 30/9/2008. REsp 1.318.163-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 20/5/2014.
O ICMS incidente na aquisição de combustível a ser utilizado por empresa de prestação de serviço de transporte fluvial no desempenho de sua atividade-fim constitui crédito dedutível na operação seguinte (art. 20 da LC 87/1996). Isso porque combustível constitui insumo indispensável à atividade em questão. Com efeito, se o constituinte originário inseriu os prestadores de serviços de transporte e comunicação no âmbito do ICMS, é imperativo que se compatibilize o princípio da não cumulatividade com as suas atividades, o que só será possível mediante a definição de um critério que preserve um mínimo de créditos, imune às constantes tentativas de mitigação por parte dos Estados-membros. Esse novo critério deve garantir o direito de crédito sobre todos os materiais empregados de forma absolutamente necessária nos veículos utilizados na prestação do serviço de transporte, assim como nas centrais telefônicas de propriedade dos prestadores de serviço de comunicação, por exemplo, até porque esses materiais impactam decisivamente a composição do preço do serviço que será oferecido ao público. Ademais, tratando-se o combustível de insumo, não se lhe aplica a limitação prevista no art. 33, I, da LC 87/1996 – de acordo com a qual “somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2020” –, pois só alcança as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento. REsp 1.435.626-PA, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 3/6/2014.
Para o primeiro período aquisitivo de férias de juiz federal substituto serão exigidos doze meses de exercício. De fato, a LC 35/1979 (Loman), ao tratar das férias dos magistrados, não disciplina o início do período aquisitivo do direito a férias na magistratura. Dessa forma, ante o silêncio da Loman, incide o art. 77, § 1º, da Lei 8.112/1990, aplicada subsidiariamente, segundo o qual “Para o primeiro período aquisitivo de férias serão exigidos 12 (doze) meses de exercício”. Além disso, o CNJ (PP 0001123-19.2007.2.00.0000, julgado em 4/12/2007) entendeu que o gozo do direito de férias pelo juiz é adquirido após um ano na magistratura, tendo consignado que “o princípio norteador das férias, inclusive dos empregados da iniciativa privada, tal como estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos, como definido no Estatuto próprio, é o de período aquisitivo, de sorte que, para adquirir direito ao primeiro período o empregado, servidor ou magistrado deverá completar o período de um ano de serviço prestado”. Aliás, esse mesmo entendimento foi reiterado recentemente pelo CNJ (PCA 0001795-51.2012.2.00.0000, julgado em 21/5/2012). Cabe salientar, também, que, em 2004, o Conselho Federal da Justiça normatizou a referida matéria na Resolução 383/2004, que dispõe: “Art. 5º Para o primeiro período aquisitivo de férias, serão exigidos doze meses de exercício”, sendo certo que essa disposição se seguiu nas Resoluções 585/2007, 14/2008 e 130/2010 do Conselho da Justiça Federal. Ademais, essa mesma orientação é seguida pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (TST-CSJT-122/2005-000-90-00.8). REsp 1.421.612-PB, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014.
Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública – superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente –, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. De fato, evidencia-se, na hipótese em análise, clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, da CF) e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. Nessas circunstâncias – em que o exercício da discricionariedade administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição –, a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como “supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social”, como apregoa o preâmbulo da CF. Há, inclusive, precedentes do STF (RE-AgR 795.749, Segunda Turma, DJe 20/5/2014; e ARE-AgR 639.337, Segunda Turma, DJe 15/9/2011) e do STJ (AgRg no REsp 1.107.511-RS, Segunda Turma, DJe 6/12/2013) endossando a possibilidade de excepcional controle judicial de políticas públicas. Além disso, não há, na intervenção em análise, ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. Ademais, também não há como falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/1964 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que a ação civil pública analisada objetiva obrigar o Estado a realizar previsão orçamentária das obras solicitadas, não desconsiderando, portanto, a necessidade de previsão orçamentária das obras. Além do mais, tem-se visto, recorrentemente, a invocação da teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias. Não se pode deixar de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Todavia, situação completamente diversa é a que se observa nos países periféricos, como é o caso do Brasil, país no qual ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Ou seja, não se nega que haja ausência de recursos suficientes para atender a todas as atribuições que a Constituição e a Lei impuseram ao estado. Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna, entre os quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais. Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político. REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014.
Não é possível a expedição de certidão positiva com efeito de negativa em favor de sócio que tenha figurado como fiador em Termo de Confissão de Dívida Tributária na hipótese em que o parcelamento dele decorrente não tenha sido adimplido. De fato, o art. 4º, II, da Lei 6.830/1980 dispõe que a execução fiscal poderá ser promovida contra o fiador. Assim sendo, a responsabilidade do sócio fiador, na hipótese, decorre da sua presença como fiador do parcelamento não adimplido. REsp 1.444.692-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/5/2014.
São extraconcursais os créditos originários de negócios jurídicos realizados após a data em que foi deferido o pedido de processamento de recuperação judicial. Inicialmente, impõe-se assentar como premissa que o ato deflagrador da propagação dos principais efeitos da recuperação judicial é a decisão que defere o pedido de seu processamento. Importa ressaltar, ainda, que o ato que defere o pedido de processamento da recuperação é responsável por conferir publicidade à situação de crise econômico-financeira da sociedade, a qual, sob a perspectiva de fornecedores e de clientes, potencializa o risco de se manter relações jurídicas com a pessoa em recuperação. Esse incremento de risco associa-se aos negócios a serem realizados com o devedor em crise, fragilizando a atividade produtiva em razão da elevação dos custos e do afastamento de fornecedores, ocasionando, assim, perda de competitividade. Por vislumbrar a formação desse quadro e com o escopo de assegurar mecanismos de proteção àqueles que negociarem com a sociedade em crise durante o período de recuperação judicial, o art. 67 da Lei 11.101/2005 estatuiu que “os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial [...] serão considerados extraconcursais [...] em caso de decretação de falência”. Em semelhante perspectiva, o art. 84, V, do mesmo diploma legal dispõe que “serão considerados créditos extraconcursais [...] os relativos a [...] obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial”. Desse modo, afigura-se razoável concluir que conferir precedência na ordem de pagamentos na hipótese de quebra do devedor foi a maneira encontrada pelo legislador para compensar aqueles que participem ativamente do processo de soerguimento da empresa. Não se pode perder de vista que viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da sociedade devedora – objetivo do instituto da recuperação judicial – é pré-condição necessária para promoção do princípio maior da Lei 11.101/2005 consagrado em seu art. 47: o de preservação da empresa e de sua função social. Nessa medida, a interpretação sistemática das normas insertas na Lei 11.101/2005 (arts. 52, 47, 67 e 84) autorizam a conclusão de que a sociedade empresária deve ser considerada “em recuperação judicial” a partir do momento em que obtém o deferimento do pedido de seu processamento. REsp 1.398.092-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/5/2014.
É eficaz em relação à massa falida o ato de transferência de imóvel ocorrido em virtude de arrematação em praça pública e realizado após a decretação da falência. De fato, de acordo com o que se infere da interpretação do art. 52, caput e inciso VIII, do Decreto-Lei 7.661/1945 (a revogada Lei de Falências), não produz efeito em relação à massa falida a venda ou a transferência de estabelecimento comercial feita pelo devedor sem o consentimento ou pagamento de todos os credores que impossibilite a solvência do passivo – excetuada a hipótese de anuência tácita dos credores, previamente notificados do negócio. Todavia, conforme já salientado pelo STJ (REsp 1.187.706-MG, Terceira Turma, DJe 13/5/2013), o artigo em questão torna ineficaz as alienações realizadas entre particulares a partir do termo legal da falência, em face da possibilidade de fraude em relação ao patrimônio da massa falida, causando prejuízo aos seus credores (sem destaque no original). Nesse contexto, é necessário consignar que a arrematação não constitui ato cuja prática pode ser imputada à falida, pois se trata de negócio jurídico estabelecido entre o Estado e o arrematante. A doutrina atual, nesse sentido, a conceitua como sendo o negócio jurídico de direito público pelo qual o Estado, no exercício de sua soberania, transfere, ao licitante vencedor, o domínio da coisa penhorada mediante o pagamento do preço. Há, além do mais, precedente do STJ (REsp 533.108-SP, Terceira Turma, DJ 17/12/2004) no qual já se afirmou que a ineficácia prevista no art. 52, VIII, do Decreto-Lei 7.661/45 não abrange as hipóteses de arrematação de bem da falida. Além disso, o referido dispositivo legal está inserido topograficamente no Decreto-Lei 7.661/1945 na Seção que regula especificamente as hipóteses de revogação de atos praticados pelo devedor antes da falência (Seção Quinta do Título II). REsp 1.447.271-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/5/2014.
Deve ser extinto sem resolução de mérito o processo decorrente do ajuizamento, por loteador, de ação ordinária com o intuito de, em razão da suposta inadimplência dos adquirentes do lote, rescindir contrato de promessa de compra e venda de imóvel urbano loteado sem o devido registro do respectivo parcelamento do solo, nos termos da Lei 6.766/1979. De fato, o art. 37, caput, da Lei 6.766/1979 (que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano) determina que é “vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”. Além disso, verifica-se que o ordenamento jurídico exige do autor da ação de resolução do contrato de promessa de compra e venda a comprovação da regularidade do loteamento, parcelamento ou da incorporação, consoante prevê o art. 46 da Lei 6.766/1979: o “loteador não poderá fundamentar qualquer ação ou defesa na presente Lei sem apresentação dos registros e contratos a que ela se refere”. Trata-se de exigência decorrente do princípio segundo o qual a validade dos atos jurídicos dependem de objeto lícito, de modo que a venda irregular de imóvel situado em loteamento não regularizado constitui ato jurídico com objeto ilícito, conforme afirmam a doutrina e a jurisprudência. Dessa forma, constatada a ilicitude do objeto do contrato em análise (promessa de compra e venda de imóvel loteado sem o devido registro do respectivo parcelamento do solo urbano), deve-se concluir pela sua nulidade. Por conseguinte, caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. REsp 1.304.370-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/4/2014.
É válido o critério de estimativa da receita bruta do evento realizado, previsto em regulamento de arrecadação do ECAD, para se cobrar os valores devidos pela execução de obras musicais. Tratando-se de direito de autor, compete a esse a fixação da remuneração pela utilização de sua obra por terceiro, seja diretamente, seja por intermédio das associações ou do próprio ECAD, que possui métodos próprios para elaboração dos cálculos diante da diversidade das obras reproduzidas, segundo critérios eleitos internamente. Dessa forma, no âmbito de atuação do ECAD, os critérios para a cobrança dos direitos autorais são definidos no regulamento de arrecadação elaborado e aprovado em assembleia geral composta pelos representantes das associações que o integram. O referido regulamento contém tabela específica de preços, os quais devem observar "a razoabilidade, a boa-fé e os usos do local de utilização das obras", conforme a nova redação expressa no § 3° do art. 98 da Lei 9.610/1998. Neste contexto, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de ser válida a tabela de preços instituída pelo ECAD e seu critério de arrecadação. Precedentes citados: AgRg nos EDcl no REsp 885.783-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2013; e AgRg no Ag 780.560-PR, Quarta Turma, DJ 26/2/2007. REsp 1.160.483-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/6/2014.
Ainda que o companheiro supérstite não tenha buscado em ação própria o reconhecimento da união estável antes do falecimento, é admissível que invoque o direito real de habitação em ação possessória, a fim de ser mantido na posse do imóvel em que residia com o falecido. O direito real de habitação é ex vi legis decorrente do direito sucessório e, ao contrário do direito instituído inter vivos, não necessita ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis. É de se ver, portanto, que há direito sucessório exercitável desde a abertura da sucessão, sendo que, a partir desse momento, terá o cônjuge/companheiro sobrevivente instrumentos processuais para garantir o exercício do direito de habitação, inclusive, por meio dos interditos possessórios. Assim sendo, é plenamente possível a arguição desse direito para fins exclusivamente possessórios, até porque, entender de forma diversa, seria negar proteção justamente à pessoa para o qual o instituto foi desenvolvido e em momento pelo qual ele é o mais efetivo. Vale ressaltar que a constituição do direito real de habitação do cônjuge/companheiro supérstite emana exclusivamente da lei, “sendo certo que seu reconhecimento de forma alguma repercute na definição de propriedade dos bens partilhados. Em se tratando de direito ex vi lege, seu reconhecimento não precisa necessariamente dar-se por ocasião da partilha dos bens deixados pelo de cujus” (REsp 1.125.901/RS, Quarta Turma, DJe 6/9/2013). Adequada, portanto, a sentença que apenas vem a declarar a união estável na motivação do decisório, de forma incidental, sem repercussão na parte dispositiva e, por conseguinte, sem alcançar a coisa julgada (CPC, art. 469), mantendo aberta eventual discussão no tocante ao reconhecimento da união estável e seus efeitos decorrentes. Ante o exposto, não há falar em falta de interesse de agir, nem de questão prejudicial, pois, como visto, a sentença que reconheça o direito do companheiro em ação possessória não depende do julgamento de outro processo. Além do mais, uma vez que o direito real está sendo conferido exatamente àquela pessoa que residia no imóvel, que realmente exercia poder de fato sobre a coisa, a proteção possessória do companheiro sobrevivente está sendo outorgada à luz do fato jurídico posse. Nesse contexto, vale ressaltar o disposto no art. 1.210, § 2º, do CC, segundo o qual “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”, e o Enunciado 79 das Jornadas de Direito Civil, que dispõe que “a exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório”. REsp 1.203.144-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/5/2014.
O simples fato de o agente utilizar-se de transporte público para conduzir a droga não atrai a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei de Drogas (11.343/2006), que deve ser aplicada somente quando constatada a efetiva comercialização da substância em seu interior. Precedente citado do STJ: REsp 1.345.827-AC, Quinta Turma, DJe 27/3/2014. Precedentes citados do STF: HC 119.782-MS, Primeira Turma, DJe 3/2/2014; e HC 115.815-PR, Segunda Turma, DJe 28.8.2013. AgRg no REsp 1.295.786-MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 18/6/2014 (Vide Informativo n. 481).
Os dados obtidos pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da LC 105/2001, mediante requisição direta às instituições bancárias no âmbito de processo administrativo fiscal sem prévia autorização judicial, não podem ser utilizados para sustentar condenação em processo penal. Efetivamente, afigura-se decorrência lógica do respeito aos direitos à intimidade e à privacidade (art. 5º, X, da CF) a proibição de que a administração fazendária afaste, por autoridade própria, o sigilo bancário do contribuinte, especialmente se considerada sua posição de parte na relação jurídico-tributária, com interesse direto no resultado da fiscalização. Apenas o Judiciário, desinteressado que é na solução material da causa e, por assim dizer, órgão imparcial, está apto a efetuar a ponderação imprescindível entre o dever de sigilo – decorrente da privacidade e da intimidade asseguradas aos indivíduos em geral e aos contribuintes, em especial – e o também dever de preservação da ordem jurídica mediante a investigação de condutas a ela atentatórias. Nesse contexto, diante da ilicitude da quebra do sigilo bancário realizada diretamente pela autoridade fiscalizadora sem prévia autorização judicial, deve ser reconhecida a inadmissibilidade das provas dela advindas, na forma do art. 157 do CPP, de acordo com o qual “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Precedente citado do STF: RE 389.808-PR, Tribunal Pleno, DJe 9/5/2011. Precedente citado do STJ: RHC 41.532-PR, Sexta Turma, DJe 28/2/2014; e AgRg no REsp 1.402.649-BA, Sexta Turma, DJe 18/11/2013. REsp 1.361.174-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/6/2014.
Pode ser conhecida como recurso em sentido estrito a apelação erroneamente interposta contra decisão que julga inepta a denúncia, com a condição de que, constatada a ausência de má-fé, tenha sido observado o prazo legal para a interposição daquele recurso e desde que o erro não tenha gerado prejuízo à parte recorrida no que tange ao processamento do recurso. Isso porque, nessa situação, tem aplicabilidade o princípio da fungibilidade recursal. De fato, o art. 581, I, do CPP dispõe que caberá recurso em sentido estrito da decisão, despacho ou sentença que não receber a denúncia ou a queixa. Todavia, o mero equívoco na indicação do meio de impugnação escolhido para atacar a decisão não deve implicar necessariamente a inadmissibilidade do recurso, conforme determina o art. 579 do CPP, segundo o qual “Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro. Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível”. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.244.829-RS, Quinta Turma, DJe 27/4/2012; e HC 117.118-MG, Sexta Turma, DJe 3/8/2009. REsp 1.182.251-MT, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 5/6/2014.
O cliente que conscientemente se serve da prostituição de adolescente, com ele praticando conjunção carnal ou outro ato libidinoso, incorre no tipo previsto no inciso I do § 2º do art. 218-B do CP (favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável), ainda que a vítima seja atuante na prostituição e que a relação sexual tenha sido eventual, sem habitualidade. Assim dispõe o art. 218-B do CP, incluído pela Lei 12.015/2009: “Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos”. O inciso I do § 2º do referido artigo, por sua vez, prescreve o seguinte: “Incorre nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo”. Da análise da previsão típica do art. 218-B do CP, especialmente do inciso I do § 2º, extrai-se que o fato de já ser a vítima corrompida, atuante na prostituição, é irrelevante para o tipo penal. Não se pune a provocação de deterioração moral, mas o incentivo à atividade de prostituição, inclusive por aproveitamento eventual dessa atividade como cliente. Pune-se não somente quem atua para a prostituição do adolescente – induzindo, facilitando ou submetendo à prática ou, ainda, dificultando ou impedindo seu abandono –, mas também quem se serve desta atividade. Trata-se de ação político-social de defesa do adolescente, mesmo contra a vontade deste, pretendendo afastá-lo do trabalho de prostituição pela falta de quem se sirva de seu atendimento. A condição de vulnerável é no tipo penal admitida por critério biológico ou etário, neste último caso pela constatação objetiva da faixa etária, de 14 a 18 anos, independentemente de demonstração concreta dessa condição de incapacidade plena de auto-gestão. O tipo penal, tampouco, faz qualquer exigência de habitualidade da mantença de relações sexuais com adolescente submetido à prostituição. Habitualidade há na atividade de prostituição do adolescente, não nos contatos com aquele que de sua atividade serve-se. Basta único contato consciente com adolescente submetido à prostituição para que se configure o crime. A propósito, não tem relação com a hipótese em análise os precedentes pertinentes ao art. 244-A do ECA, pois nesse caso é exigida a submissão (condição de poder sobre alguém) à prostituição (esta atividade sim, com habitualidade). No art. 218-B, § 2º, I, pune-se outra ação, a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e nessa conduta não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na habitualidade da prostituição. HC 288.374-AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/6/2014.
O condenado por estupro e atentado violento ao pudor, praticados no mesmo contexto fático e contra a mesma vítima, tem direito à aplicação retroativa da Lei 12.015/2009, de modo a ser reconhecida a ocorrência de crime único, devendo a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal ser valorada na aplicação da pena-base referente ao crime de estupro. De início, cabe registrar que, diante do princípio da continuidade normativa, não há falar em abolitio criminis quanto ao crime de atentado violento ao pudor cometido antes da alteração legislativa conferida pela Lei 12.015/2009. A referida norma não descriminalizou a conduta prevista na antiga redação do art. 214 do CP (que tipificava a conduta de atentado violento ao pudor), mas apenas a deslocou para o art. 213 do CP, formando um tipo penal misto, com condutas alternativas (estupro e atentado violento ao pudor). Todavia, nos termos da jurisprudência do STJ, o reconhecimento de crime único não implica desconsideração absoluta da conduta referente à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, devendo tal conduta ser valorada na dosimetria da pena aplicada ao crime de estupro, aumentando a pena-base. Precedentes citados: HC 243.678-SP, Sexta Turma, DJe 13/12/2013; e REsp 1.198.786-DF, Quinta Turma, DJe 10/04/2014. HC 212.305-DF, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), julgado em 24/4/2014.
Em processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente absolutamente incapaz, é admissível a utilização de prova extraída de gravação telefônica efetivada a pedido da genitora da vítima, em seu terminal telefônico, mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive particular para a captação das conversas. Consoante dispõe o art. 3°, I, do CC, são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos, não podendo praticar ato algum por si, de modo que são representados por seus pais. Assim, é válido o consentimento do genitor para gravar as conversas do filho menor. De fato, a gravação da conversa, em situações como a ora em análise, não configura prova ilícita, visto que não ocorre, a rigor, uma interceptação da comunicação por terceiro, mas mera gravação, com auxílio técnico de terceiro, pelo proprietário do terminal telefônico, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, seu filho, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância. A presente hipótese se assemelha, em verdade, à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dos interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de crime por este último, situação já reconhecida como válida pelo STF (HC 75.338, Tribunal Pleno, DJ 25/9/1998). Destaque-se que a proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida em caráter prioritário (art. 227, caput, c/c o § 4º, da CF), e de instrumentos internacionais. Com efeito, preceitua o art. 34, "b", da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução 44/25 da ONU, em 20/11/1989, e internalizada no ordenamento jurídico nacional mediante o DL 28/1990, verbis: “Os Estados-partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados-parte tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: (...) b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; (...)”. Assim, é inviável inquinar de ilicitude a prova assim obtida, prestigiando o direito à intimidade e privacidade do acusado em detrimento da própria liberdade sexual da vítima absolutamente incapaz e em face de toda uma política estatal de proteção à criança e ao adolescente, enquanto ser em desenvolvimento. REsp 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/5/2014.
É inepta a denúncia que, ao imputar a sócio a prática dos crimes contra a ordem tributária previstos nos incisos I e II do art. 1º da Lei 8.137/1990, limita-se a transcrever trechos dos tipos penais em questão e a mencionar a condição do denunciado de administrador da sociedade empresária que, em tese, teria suprimido tributos, sem descrever qual conduta ilícita supostamente cometida pelo acusado haveria contribuído para a consecução do resultado danoso. Assim dispõe o art. 1º, I e II, da Lei 8.137/1990: “Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal”. Posto isso, cabe ressaltar que uma denúncia deve ser recebida se atendido seu aspecto formal (artigo 41 c/c 395, I, do CPP), identificada a presença tanto dos pressupostos de existência e validade da relação processual, quanto das condições para o exercício da ação penal (artigo 395, II, do CPP), e a peça vier acompanhada de lastro probatório mínimo a amparar a acusação (art. 395, III, do CPP). Nesse contexto, observa-se que o simples fato de o acusado ser sócio e administrador da empresa constante da denúncia não pode levar a crer, necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos delituosos, a ponto de se ter dispensado ao menos uma sinalização de sua conduta, ainda que breve, sob pena de restar configurada a repudiada responsabilidade criminal objetiva. Não se pode admitir que a narrativa criminosa seja resumida à simples condição de acionista, sócio, ou representante legal de uma pessoa jurídica ligada a eventual prática criminosa. Vale dizer, admitir a chamada denúncia genérica nos crimes societários e de autoria coletiva não implica aceitar que a acusação deixe de correlacionar, com o mínimo de concretude, os fatos considerados delituosos com a atividade do acusado. Não se deve admitir que o processo penal se inicie com uma imputação que não pode ser rebatida pelo acusado, em face da indeterminação dos fatos que lhe foram atribuídos, o que, a toda evidência, contraria as bases do sistema acusatório, de cunho constitucional, mormente a garantia insculpida no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal. HC 224.728-PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/6/2014.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 543 do STJ - 2014 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 ago 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/40588/informativo-543-do-stj-2014. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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